Livros, filmes, séries e outras coisas de setembro



LIVROS

          Setembro foi um mês no qual eu consegui ler muitos autores diferentes, descobrir novas narrativas e revisitar a escrita de um dos meus autores preferidos. Os livros que li recentemente realmente mexeram comigo, e fico pensando em quando vou relê-los quando for mais velho. Fiquei o mês inteiro com vontade de comprar o quarto livro do Karl Ove, mas o preço realmente não está ajudando. Vou esperar uma boa promoção para adquirir os livros dele que ainda não li. Esse mês, além de consumir bastante literatura, assisti a muitas entrevistas com autores - o que na minha opinião é uma das melhores coisas que se tem para fazer no Youtube. 

A ILHA DA INFÂNCIA (MY STRUGGLE BOOK 3) - Karl Ove Knausgård

Comecei o mês lendo um livro que na verdade eu tinha começado no primeiro mês do meu intercâmbio. Karl Ove é um dos meus autores preferidos, e poder voltar para a sua narrativa de angustia, cigarros e relações foi incrível. O terceiro livro, em minha opinião, foi o mais fraco dos três primeiros - acho que dificilmente alguma obra dele vai superar o baque que eu tive na leitura de "A morte do pai". Nesse terceiro livro, o autor descreve sua infância em uma ilha na Noruega, seus primeiros desejos sexuais, primeiros contatos com a música, sua relação repugnante com o pais, sua personalidade enquanto criança, etc. Você pode ler minha opinião mais detalhada lendo a resenha que escrevi aqui no blog (clicando aqui). 

MORANGOS MOFADOS - Caio Fernando Abreu:

Adorei (re)ler os conto do Caio Fernando Abreu. Eu nunca tinha lido todos os contos de Morangos Mofados, mas muitos deles foram analisado em aulas de literatura que tive ao longo do semestre passado. Caio com certeza é um dos meus escritores brasileiros preferidos de todos os tempos, e acho que a leitura de suas obras se faz necessária nos tempos sombrios em que estamos vivendo. Eu finalizei a leitura desse dia exatamente no dia que seria o aniversário do autor. O engraçado é que não foi proposital. Os contos abordam temas que mexem com os preconceitos da sociedade, mostrando formas diferentes de amor, de expressão e de arte. O cenário da ditadura militar percorre muitas das narrativas. Você pode ler minha opinião mais detalhada clicando aqui.

 MEMÓRIAS DO SUBSOLO - Fiódor Dostoiévski:

Com certeza o livro mais filosófico do mês. Ler Dostoiévski é sempre um (bom) desafio para mim, o que na verdade todo livro com uma bagagem como esse deve ser. Acho que ler um autor como Dostoiévski chega a doer, machucar, mas isso que é lindo da sua narrativa. A introspecção psicológica nesse livro é incrível. Memórias do subsolo foi o meu segundo livro do autor que eu li. Você pode ler minha opinião mais detalhada clicando aqui




CARTAS NA RUA - Charles Bukowski:

Com certeza a leitura mais engraçada - e diferente - do mês. Cartas na rua é um tipo de autobiografia ficcional; o autor utiliza um alter ego para escrever sobre os anos em que trabalho para o governo dos Estados Unidos, além de comentar sobre todas as suas ressacas, arrependimentos, mulheres e outras inconstâncias da vida do beberrão Bukowski. Essa obra é o primeiro livro escrito pelo Bukowski, e acredito que também um grande destilado de sua forma de escrever e ver o mundo. Você pode ler minha opinião mais detalhada clicando aqui.




MÊS DE CÃES DANADOS - Moacyr Scliar:

O segundo autor brasileiro lido em setembro foi o porto-alegrense Moacyr Scliar, com sua obra sobre os anos antes de ditadura militar, e o desenvolver de uma estória que começa nos pampas gaúchos e acaba nas ruas de Porto Alegre. Adorei a escrita do autor, com certeza foi uma das grandes vozes da literatura brasileiro contemporânea. O Mário, personagem principal da obra, está na minha lista de personagens mais escrotos ever - e acho que vai continuar lá por um bom tempo. Você pode ler minha opinião mais detalhada clicando aqui






FILMES/SÉRIES: 

         Tentei começar muitos filmes esse mês, mas acabei terminando e realmente gostando de apenas um. Tentei assistir a um filme clássico alemão que vários amigos meus estavam comentando, mas acabou não funcionando para mim. O cinema é, como qualquer outra arte, para mim, algo que vem e vai na minha vida. Às vezes fico meses sem assistir a um bom filme, mas de repente consumo algo que faz minha mente "abrir" novamente para a sétima arte. Eu assisti pela quinta vez, se não me engano, Donnie Darko, mas acho que não cabe comentar mais uma vez sobre esse filme hahaha. 

LÉO E BIA - dirigido por Oswaldo Montenegro:

Um filme lindo, baseado no teatro, com personagens reais e cativantes. Ambientado no cenário da ditadura militar, Léo e Bia é um filme muito emocionante sobre as relações de um grupo de teatro da cidade de Brasília. Um filme brasileiro com toda a brasilidade que pode ter, achei bonito demais. Você pode ler minha opinião mais detalhada clicando aqui






BATES MOTEL: 

Comecei Bates Motel, muito por que queria começar alguma série mas ficava sempre na indecisão e no tédio. Estou realmente no início da primeira temporada, so no spoilers, please. Pelo fato de eu adorar o filme Psycho do Hitchcock, acho que vou gostar da série - mas posso estar muito enganado. Enfim, ainda não tenho muito o que falar. A fotografia é legal. 




OUTRAS COISAS: 



também fiz uma tatuagem

e tirei uma foto massa enquanto estava indo para uma escola na qual estou fazendo um projeto da facul






Mês de cães danados, de Moacyr Scliar


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          Esse é um livro que mostra definitivamente que Moacyr Scliar veio do estado do Rio Grande do Sul, afinal seu conteúdo regionalista e os dois principais cenários que ambientam esta estória demonstram de forma nítida a situação regional do personagem e da trama. O autor é porto-alegrense, e a cidade urbana de Porto Alegre torna-se viva em sua narrativa, tanto com suas belezas e importância histórica, quanto com seus ratos, imundices e pessoas que vivem à margem da sociedade. O protagonista da trama, aparentemente um mendigo morando perto do Palácio Piratini em Porto Alegre, sede do poder executivo do Estado do Rio Grande do Sul, relata sua história de vida para um paulista, que não é nominado ao desenvolver do enredo. Todos os dias, ao decorrer de uma semana, o paulista deposita algumas moedas no fundo de uma lata de doces em troca de mais uma porção da história daquele gaúcho dos pampas. A narrativa é muito diferente, os diálogos do passado com os do presente se misturam em uma escrita muito sagaz de Moacyr Scliar. O humor é presente em todo o relato, mesmo que muitas passagens sejam marcadas pelo sádico e pelo horror. O plano de fundo da linha temporal do passado são os anos antes da ditadura, quando a situação política do Brasil era muito delicada e instável. Jânio Quadros havia renunciado, depois de apenas sete meses de governo; Leonel Brizola movimentava o povo no Rio Grande do Sul; os militares acreditavam que Jango tinha relações com o partido comunista, etc. Mesmo com um plano de fundo muito agitado, eu diria, Mário, o protagonista da estória, conta que enquanto jovem e estudante de Direito, pouco se interessava sobre o que estava acontecendo no cenário político de seu país. Começa a relatar sua história desde o início, quando vivia nos pampas gaúchos, tinha uma queda por sua professora de Francês, praticava esgrima e mantinha relações muito estranhas com seu pai e irmão mais velho. Ao pensar na história de vida dos personagens da fazenda, consigo ver muitos estereótipos aqui do sul (moro no Rio Grande do Sul), mas que na verdade não estão completamente errados. Muitos "gaudérios" daqui são exatamente como os descritos no livro, incluindo Mário. Já vou logo dizendo que o personagem principal me fez passar muita raiva, com suas atitudes extremamente burras, impensadas, machistas e individualistas. Quando Mário decide que quer morar na capital e estudar Direito, pede para o pai custear todos os seus gastos, mesmo sabendo que a situação financeira na fazenda não era das melhores. O agora estudante de Direito vive uma vida de luxos, tem um Cadillac, mulheres, bebidas, churrascos, apartamento e um revólver na cintura. A tensão da trama aumenta muito no final do livro, e posso dizer que me surpreendi bastante com as últimas páginas; sem comentar no incrível desfecho do livro. Vocês já leram algum livro do Moacyr Scliar? O que acharam? 

Algumas músicas da semana.

          Criei uma nova playlist denominada "massinha" no início da semana, e fiquei todos os dias alimentado-a com algumas novas músicas que eu achava massinha. Bem autoexplicativo na verdade. Espero que vocês tenham um domingo melhor com essas músicas.





The less I know the better - Tame Impala



Hal full glass of wine - Tame Impala


Elephant - Tame Impala 


Sleep apnea - Beach fossils 


Se movimente - Guantánamo groove 


Dinossauros - Dingo Bells 


Não - Tim Bernardes 


Comida amarga - Carne Doce



Cartas na rua, de Charles Bukowski.



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          Eu poderia facilmente comparar a leitura de "Cartas na rua", e acredito que todos os livros do Bukowski devido a relatos de amigos, com aquelas conversas de bar ou final de show trash de rock com os embriagados da vez. Charles Bukowski usa um alter ego, Henry Chinaski, para escrever sobre as inconstâncias de trabalhar nos correios dos EUA durante a década de cinquenta. A rotina de alguém que todos os dias bebe até às três da madrugada e começa a trabalhar às cinco da manhã, ou até mesmo o que pode acontecer se você fumar um charuto durante seu trabalho manual com cartas, etc. A narrativa de todo livro é muito pessoal, repleta de pensamento íntimos do personagem, inclusive desejos extremamente sexuais para com qualquer mulher. Henry Chinaski leva uma vida que cobra seus luxos. Grande parte da narrativa é dedicada aos acontecimentos da vida de um carteiro trabalhando para o governo federal. Trabalhando para o governo federal durante a guerra fria, vale ressaltar. Há uma passagem em que um funcionário do governo vai a sede dos correios para fazer uma propaganda anti-comunista, colocando os russos como os grandes vilões. A escrita do Bukowski é muito direta, seca, crua, simples e sem firulas. Muitos autores hoje em dia copiam seu estilo de escrita, usando os mesmos moldes de cenas ultrajantes e, digamos, provocativas. O livro é hilário, talvez um dos pontos mais fortes na minha percepção - cheguei a gargalhar enquanto lia o livro em pé esperando o café passar para ir para a faculdade, ou enquanto cozinhava alguma coisa. Bukowski é um grande beberrão letrado. Quando decide largar o trabalho nos correios, Chinaski começa a frequentar hipódromos e a apostar em corridas de cavalo. Mora junto com sua namorada, proveniente de família rica, em uma casa cercada por grama e mosquitos no interior do estado. Perde a esposa, perde o cachorro, perde os passarinhos, volta para a cidade, volta a trabalhar nos correios, mas o que não muda são as bebedeiras e situações vergonhosas no trabalho. Achei incrivelmente engraçado quando um dos seus colegas de trabalho decide que quer virar escritor, e pede para o próprio Chinaski ler uma primeira edição do que seria o original enviado para as editoras. Chinaski odeia alguns diálogos, e simplesmente não entende a ideia romântica de um encontro apaixonante que acontece no meio da história. Acho que esse comportamento do personagem com relação ao amor é um grande paradoxo para o modo que Chinaski, e acredito que o próprio Bukowski, vê a ideia de amor idealizado. Acho que Chinaski só tinha amor pelas cervejas e por cigarro mesmo - mulheres também, mas da forma mais carnal e sexual possível. Não vou enganar ninguém, Bukowski é hilário, mas em alguns episódios tem uma escrita bem machista e... escrota mesmo. 


Quando eu fui para NYC (não como um turista) - fotos.


Sala de aula da faculdade da minha host do Couchsurfing.


Um café grego (no meu trabalho, meu melhor amigo era da Grécia. Por isso da escolha).


:)



           Da esquerda pra direita: Damianos (meu amigo da Grécia), eu, Julie (uma menina da França que estava no mesmo Couchsurfing que eu) e Adrien (namorado da Julie).




Minha host (Bria) estava desenhando e eu decidi tirar uma foto. 


Pôr do sol no apê dela.


Williamsburg


Gatos


Brechós










Memórias do subsolo, de Fiódor Dostoiévski



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    Tive duas oportunidades de entrar em contato com a fascinante escrita de Dostoiévski. A primeira, no terceiro ano do ensino médio, quando li "Crime e Castigo" e fiquei fascinado e consequentemente intrigado; a segunda, no segundo semestre da faculdade, quando acabei exatamente no dia de hoje de ler "Memórias do subsolo". Nos dois casos eu tomei um papel diferente de leitor frente a livros escritos por uma das mais brilhantes mentes do século XIX. Muito dessa diferente forma de julgar a leitura é a expectativa do grandioso que uma obra clássica pode gerar - pelo menos isso sempre acontece comigo. Enquanto estava lendo "Memórias do subsolo" fiquei procurando, do mesmo jeito que fiz quando li "Crime e castigo", a grandiosidade de uma história escrita por Dostoiévski. Posso dizer que em ambas as obras eu a encontrei. É notável, na narrativa e principalmente na introspecção psicológica, a diferença entre um escritor, ou escritora, que viveu sentado em uma cadeira, bebericando um café e fumando uns cigarros, quando comparado com alguém que realmente viveu as mazelas mais podres, inesperadas e absurdas da vida. Dostoiévski foi preso, condenado à morte e mandado para um campo de trabalho forçado por nove anos na Sibéria. Quando Dostoiévski escreve sobre o sentimento de quase morte, ele realmente sabe do que está falando. As introspecções psicológicas, uma das marcas mais fortes de seus romances, realmente nos faz submergir em um drama muito lúgubre do personagem. Durante os anos de trabalho forçado na Sibéria, Dostoiévski tem contato com a parte mais sórdida do ser humano, e é nessa etapa de sua vida que o autor começa seu amadurecimento espiritual. "Memórias do subsolo" foi escrito durante essa fase da vida do autor russo, uma das obras de transição, como são chamadas pelos críticos aquelas que foram escritas entre a juventude e a maturidade ("Crime e castigo", "Os irmãos Karamazov" e "O idiota" são exemplos de obras da Maturidade). Acho muito difícil escrever sobre a trama do livro em si, posso tentar escrever um pouco sobre o narrador, o que na verdade já diz muito sobre o núcleo do livro. A narrativa é em primeira pessoa, conta com uma forte introspecção psicológica, principalmente na primeira parte do livro. Nos primeiros capítulos, o protagonista, que não é nomeado ao longo do livro, demonstra ser um homem confuso e enveredado nas mazelas mais escuras da vida. O início do livro é marcado por um longo monólogo sobre como a vingança se dá na mente do ser humano, sobre a evolução da ciência, sobre o racionalismo, sobre a dor e os prazeres do personagem. A segunda parte do livro toma conta de acontecimentos na vida do inominado, principalmente sobre seus planos para tentar mostrar sua superioridade quando comparado com as outras pessoas. Em muitas passagens do livro fiquei com raiva do narrador, principalmente quando delirava sobre sua infundada vontade de arruinar a vida de certos colegas da infância. Ler Dostoiévski é uma experiência literária que precisa ser vivida antes da morte. 




    

Cinema: Léo e Bia (de Oswaldo Montenegro)


    Estruturado nas bases criativas de uma peça teatral, "Léo e Bia" é definitivamente uma experiência cinematográfica ímpar no cenário do cinema brasileiro. Eu comparo assistir a este filme a ler poesia; muitas vezes é necessário ter um olhar mais questionador e aberto às metáforas que estão presentes em praticamente todas as cenas. O cenário é o mesmo ao longo do filme, o que realmente muda é a posição de determinado móvel ou estrutura do set. O fato do filme ser praticamente uma peça de teatro gravada na íntegra possibilita ao espectador observer as técnicas dramaturgas dos atores ao extremo. Alguns elementos, como a mudança temporal ou geográfica, ao longo da história são expressados simplesmente pela mudança da luz, ou até mesmo pela mudança física dos objetos pelos próprios atores em cena. A obra conta com pouquíssimos cortes e ótimos monólogos de praticamente todos os atores. Sem contar a trilha sonora que é MPB de primeira. 

    "Léo e Bia" retrata um grupo de amigos, autodenominados de burgueses e privilegiados, enquanto buscam o sonho de construir a vida no teatro. Moram em Brasília no final da década de setenta, quando o movimento hippie nos EUA estava em seu auge, e aqui na América Latina a democracia sofria pedradas com as ditaduras militares. "Cabelo" é o único integrante do grupo teatral que não mora no plano piloto - é negro, homossexual, pobre, admirador da cultura francesa e definitivamente o mais culto do grupo. Os dramas passados por Cabelo demonstram as lutas que a comunidade LGBT travava durante a ditadura militar (ainda hoje na verdade, uma luta que se mostra constante), um aspecto que já foi retratado por muitos artistas, em especial Caio Fernando Abreu (coincidentemente eu escrevi uma resenha de Morangos Mofados dois dias atrás, no mesmo dia que Caio Fernando Abreu faria setenta anos de idade). 

    A homossexualidade não é o único tópico de extrema relevância que é tratado ao longo do filme. Por se passar durante o auge do período ditatorial, temas como o fascismo, a repressão e a falta de liberdade artística são duramente criticados pela obra. Uma das falas mais marcantes para mim foi proferida pelo personagem de Pedro Nercessian, "Encrenca", na qual ele diz algo como: "o povo é burro, o povo elegeu Hitler". Essa primeira frase gera uma grande discussão entre os integrantes do grupo sobre as qualidades e os defeito do povo, algo que acho ser muito pertinente no atual cenário em que estamos vivendo (cada vez mais sou adepto de que a história e as civilizações seguem um ciclo). Encrenca é o cara do grupo que só quer fumar um baseado e ficar bêbado; não se importa muito com as inconstâncias da vida fora do grupo de teatro, quer é ser feliz fazendo o que ama.

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    Léo e Bia são um casal, sendo Léo o diretor das peças e Bia uma das melhores atrizes. Bia sofre muita repressão pelo lado de sua mãe, que sempre a perscruta com um olhar crítico. A mãe da menina sempre indaga a filha se ela está transando com Léo, se está usando anticoncepcional, sobre suas notas na escola, etc. O caráter austero da mãe é tão bem trabalhado que durante umas das cenas em que a peça teatral está passando pelo censor da ditadura, a mesma atriz que interpreta a mãe de Bia toma o papel de censor da peça de teatro, em uma cena repleta de metáforas e aquele exagero magnífico que o teatro consegue nos passar. 

    Se eu tivesse que dar mais um argumento para convencer você a assistir ao filme, seria que os personagens são humanos ao extremo, carismáticos, brasileiros como nós, gente como a gente. O elenco realmente conseguiu transmitir toda uma gama de dramas muito particulares com uma maestria sublime. Você pode encontrar o filme no próprio canal do diretor no Youtube, clicando aqui. 




     

Morangos mofados, de Caio Fernando Abreu.

Título: Morangos mofados
Autor: Caio Fernando Abreu
Ano de publicação: 1982


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     Caio Fernando Abreu consegue se renovar de forma tão orgânica, que quando leio seus contos no tempo atual sinto que poderiam muito bem ter sido escritos por mim. Quem não se identifica com os temas abordados pelo autor é quem não viveu intensamente a vida; Caio escreve sobre amor, drogas, decepções, depressão, trabalho, deveres, sentido da vida, universo, música, poesia, literatura, etc. Seus contos carregam toda a carga emocional que o escritor suportou durante sua vida, tanto pela repressão que sofreu na ditadura militar, quanto pelas experiências que teve no período que morou na Europa. 

    Em morangos mofados, um livro de contos publicado no início da década de oitenta, Caio divide seus contos em duas partes: mofo e morangos. Gostaria aqui de comentar alguns dos meus contos preferidos, porque acho demasiadamente difícil fazer uma resenha sobre um livro de contos com obras tão ímpares quanto esse livro.

    "Luz e sombra" foi o primeiro que me chamou a atenção, fique relendo até tentar encontrar alguma sentido; só depois que conversei com um amigo sobre esse conto que me "toquei" de algumas coisas. Em "luz e sombra", o narrador fita incessantemente a paisagem da janela do seu "quarto" muito pequeno, que a meu ver na verdade é uma cela de prisão; não apenas pelo tamanho, mas sim pela vontade não atingida do personagem de sair daquele lugar para poder ir à praia. Os morcegos no conto na verdade são os militares do período da ditadura, e o barulho que fazem pode muito bem ser relacionado tanto com tortura física quanto emocional. 

    "Caixinha de música" demonstra as diferentes faces que o amor pode tomar; o conto é formado por metáforas que vão se encaixando com a realidade de um casal que está deitado na cama esperando o sol nascer. Bebem com a mão esquerda e fumam com a direita, conversam sobre sonhos, tudo isso com o som de uma caixinha de música. O final desse conto é bem surpreendente, cru, e infelizmente realidade. 

    "Aqueles dois" foi um dos contos que mais me tocou; falando sobre simplesmente dois homens, Saul e Raul, um com um ano a menos que trinta e o outro com um a mais. Um que é frustrado por ter cursado Arquitetura, fica fazendo rabiscos de faces com olhos bem grandes e tem um quadro do Van Gogh em seu quarto. O outro canta, toca violão e gosta de cinema. Ambos trabalham no mesmo escritório, tentando reconstruir uma vida destruída por desilusões. Por interesses em comum, se aproximam, começam a gostar de passar o tempo um com o outro; o que acho interessante é que ambos não rotulam o que existe entre eles, é apenas um sentimento bom de compartilhar conversas, cigarros, músicas e filmes um com o outro. Os olhares dos colegas de trabalho sempre repousam sobre os dois quando estão tomando um café e conversando sobre o que aconteceu no final de semana. Não quero contar sobre o final do conto para não estragar a experiência de vocês, mas digo que é um bela obra para refletir sobre tantas coisas: amizade, amor, rotular relações, etc. 



    Imagem relacionada

"Sargento Garcia" (conto do livro "Morangos mofados") - Caio Fernando Abreu

Título do conto: Sargento Garcia
Autor: Caio Fernando Abreu
Ano de publicação: 1982


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    Então, me pego em uma manhã de terça-feira lendo um dos melhores contos do Caio Fernando Abreu que já li até agora, não me surpreende o prêmio Status de Literatura que ganhou em 1980. "Sargento Garcia" se encontra na parte dos "morangos" no livro de contos "Morangos Mofados". A vida do Caio influencia toda a sua obra; suas filosofias, pensamentos, orientações e interesses formam um fio condutor que percorre todas as suas narrativas. Refugiava-se do DOPS no final da década de sessenta, também se exilou por um ano na Europa, retornando para Porto Alegre em 1974. Caio nasceu em uma pequena cidade perto da fronteira chamada Santiago, aqui no estado onde eu moro (RS); fico imaginando como um menino que nasceu em uma cidade que hoje tem cerca de cinquenta mil habitantes, deve ter se sentido sendo perseguido pela ditadura militar e ter tido que se exilar na Europa. É indiscutível que os contos do Caio são permeados por seus gostos particulares; não é  difícil encontrarmos personagens que bebem mais café do que deveriam, fumam muito, escutam Beatles e falam de astrologia. 
    Na maioria dos seus contos, a sexualidade é muito discutida, ainda mais o mundo queer e LGBT ; Caio Fernando Abreu era gay, crítico da ditadura e um formador de mentes de uma geração. "Sargento Garcia" consegue pincelar muito bem as angústias tanto do particular (personagem principal), quanto do mais amplo (a geração de jovens que viveu a ditadura militar). O personagem principal do conto, Hermes, devaneia olhando para fora da janela do local em que se apresenta para o serviço militar obrigatório. Diferente de hoje, o quadro que está na parede descasada do cômodo é o de Castelo Branco, o que nos dá a ideia de que o conto se passa provavelmente nos anos iniciais da ditadura (Castelo Branco ficou no poder de 1964 a 1967). O sargento que chama Hermes, no caso o próprio Sargento Garcia do título do conto, é austero e ríspido com sua fala, mas acaba dispensando Hermes, que afirma ter arrimo familiar e estar estudando filosofia. O conto é dividido em três partes, sendo que a primeira relata apenas isso que foi resumido nesse parágrafo. 

    A segunda parte do conto descreve a transição dos dois personagens para um plano diferente da narrativa. Enquanto Hermes desce um morro para ir até uma estação, o próprio sargento Garcia vem vindo de carro, um cigarro no canto da boca. O militar insiste que o garoto entre no carro, até que Hermes aceita a carona. Nas falas do sargento enquanto está dirigindo, conseguimos entender que ele possuía um apreço um pouco maior por Hermes, mostra-se interessado na faculdade de filosofia, e pergunta sobre o modo que o garoto vê o mundo. No carro, fica claro mais um ponto muito forte do período ditatorial, em uma das falas do Sargento: 

"... A vida me ensinou a ser um cara aberto. Admito tudo. Só não aguento comunista."

    O sargento pede para o garoto se ele não quer ir para algum lugar mais reservado, e já coloca a mão nas pernas do estudante de filosofia e recém-dispensado do exército, Hermes. Ele diz que nunca tinha feito sexo, que seria sua primeira vez, mas acaba não ficando claro se estava falando de transar pela primeira vez com um outro homem, ou se realmente foi sua primeira vez. Sargento Garcia diz que conhece um lugar, que Hermes pode seguir ele um pouco atrás para ninguém desconfiar que estão juntos.

    Na terceira parte é quando vemos o ato se concretizar, Hermes e o Sargento chegam a um quarto alugado por uma mulher chamada Isadora. Na fala de Isadora entendemos que na verdade ela é ele:

"- Isadora, queridinho. Nunca ouviu falar? Isadora Duncan, a bailarina. Uma mulher finíssima, má-ravilhosa, a minha ídola, eu adoro tanto que adotei o nome. Já pensou se eu usasse o Valdemir que minha mãe me deu?"

    Quando vão para o quarto, o sargento diz para o garoto se despir e deitar na cama; em seus olhos, Hermes conseguia ver a fúria do desejo. A cena que é relatada é muito mais de estupro do que de um sexo consentido, em passagens como: "... com os joelhos, lento, firme, ele abria caminho entre as minhas coxas, procurando passagem", ou em "... quis gritar, mas as duas mãos se fecharam sobre a minha boca.". É interessante o leitor prestar atenção à música que é cantarolada por Isadora no cômodo do lado, é um bom plano de fundo para os pensamentos de Hermes. Se tudo isso que já apresentei não é suficiente para descrever o estado de espírito do menino, o campo semântico usado para descrever o ato ilustra minha opinião. Um grande conto de um grande escritor, que como já disse em um post do Instagram (@vazios), deveria estar sendo lido no tempo de intolerância que estamos vivendo.




Antes linear fosse a vida.


Eu disse para os meus pensamentos um belo foda-se. 
Saí com meus amigos para ver as árvores passando em borrões.
A linha amarela na escuridão; eventuais quadrados verdes e azuis.
Antes fosse profunda a conversa.

Queria entorpecer os pensamentos, não sei por que me incomodam tanto. 
Talvez só queria vivenciar uma espécie de simulação no torpor.
Para me despir do vazio.
Não pensei que seria no meio da tragada que o ciclo recomeçaria. 

Nos perdemos na política, nos arcos de prata, nas linhas de tinta preta. 
Nos perdemos na linhas vermelhas, essas orgânicas.
Nos perdemos pelo acaso.
Eu me perdi por desejo: carnal, simples, humano; transgressivo?

Duas voltas na fechadura, calmamente para não romper o invólucro de silêncio.
O resto é literatura na mente do autor. 

by Stifler Mendes

A ilha da infância-Minha luta (livro 3), de Karl Ove Knausgård

Título Original: Min Kamp 3
Autor: Karl Ove Knausgård
Tradução para o Português: Guilherme da Silva Braga
Ano de publicação: 2009



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by LiteraryHub
   
    Novamente a minha vontade de conhecer a Noruega apenas aumentou depois que finalizei essa leitura. O motivo de eu ter ficado fascinado pelo primeiro livro do Karl Ove, o que eu acho que não  é nenhum segredo para quem acompanha o blog desde o início, é o total despimento do autor nas páginas de suas longas narrativas. De uma forma corajosa, alguns diriam estúpida, Karl Ove fala de qualquer mazela de sua vida, porém, cabe ao leitor ter o senso crítico de analisar a obra como uma narrativa fictícia e levar em conta isso na hora de fazer a leitura. 

    No primeiro livro o escritor norueguês busca descrever a morte de seu pai, e a relação familiar antes e após o acontecimento. O segundo volume toma conta dos amores da vida do Karl Ove, de seu divórcio e novos amores, da relação com seus filhos, e de duas personalidades que o autor parece tomar em diferentes situações do cotidiano. Enquanto que no terceiro livro, o autor busca resgatar as memórias de sua infância, das mais insossas até as mais desconcertantes.

    A maioria do livro narra episódios com o intuito de criar um panorama sobre como foi a infância do autor, suas descobertas tanto sexuais quanto intelectuais, seu novo amor pela leitura, o modo que seu pai o tratava nas mais rotineiras ocasiões, o medo constante que um filho pode ter de seu pai, sua relação com amigos, criação de identidade, etc. Karl Ove diz com todas as palavras que seu pai era o homem mais temido em sua vida, o que foi esclarecido em várias passagens descritas pelo autor. Uma das mais chocantes em minha opinião, foi quando Karl Ove come duas maçãs em um mesmo dia, contrariando a ordem do seu pai. No dia seguinte, seu pai o obriga a sentar em um banquinho na cozinha e comer um número absurdo de maçãs, enquanto que ele fica apenas observando a reação do filho; beirando ao sádico, diga-se de passagem. 




    A relação do escritor nórdico com relação às mulheres começou muito cedo, em certos trechos a descrição do fascínio que ele tinha pelas garotas chega a ser cansativa. Ele narra exatamente o que chamava sua atenção em cada garota, suas vontades sexuais que estavam começando a florescer e, claro, suas decepções amorosas. O Karl Ove criança me pareceu um menino que foi muito reprimido, que tinha medo de expor sua opinião, pelo menos foi essa a visão que tive através da lente da escrita do autor. 

    Na escola, e também em sua casa, ele era chamado de "mariquinha", ou algo com o mesmo sentido, pois sempre começava a chorar quando algo de que ele não gostava acontecia. Isso me mostrou na verdade uma face diferente do autor, nunca pensei no Karl Ove como uma criança sensível, que gostava de ficar lendo às vezes por dias à fio em seu quarto, e que também gostava de conversar sobre roupas e moda.

    Karl Ove com certeza é um dos meu autores contemporâneos preferidos.