Cinema: Léo e Bia (de Oswaldo Montenegro)


    Estruturado nas bases criativas de uma peça teatral, "Léo e Bia" é definitivamente uma experiência cinematográfica ímpar no cenário do cinema brasileiro. Eu comparo assistir a este filme a ler poesia; muitas vezes é necessário ter um olhar mais questionador e aberto às metáforas que estão presentes em praticamente todas as cenas. O cenário é o mesmo ao longo do filme, o que realmente muda é a posição de determinado móvel ou estrutura do set. O fato do filme ser praticamente uma peça de teatro gravada na íntegra possibilita ao espectador observer as técnicas dramaturgas dos atores ao extremo. Alguns elementos, como a mudança temporal ou geográfica, ao longo da história são expressados simplesmente pela mudança da luz, ou até mesmo pela mudança física dos objetos pelos próprios atores em cena. A obra conta com pouquíssimos cortes e ótimos monólogos de praticamente todos os atores. Sem contar a trilha sonora que é MPB de primeira. 

    "Léo e Bia" retrata um grupo de amigos, autodenominados de burgueses e privilegiados, enquanto buscam o sonho de construir a vida no teatro. Moram em Brasília no final da década de setenta, quando o movimento hippie nos EUA estava em seu auge, e aqui na América Latina a democracia sofria pedradas com as ditaduras militares. "Cabelo" é o único integrante do grupo teatral que não mora no plano piloto - é negro, homossexual, pobre, admirador da cultura francesa e definitivamente o mais culto do grupo. Os dramas passados por Cabelo demonstram as lutas que a comunidade LGBT travava durante a ditadura militar (ainda hoje na verdade, uma luta que se mostra constante), um aspecto que já foi retratado por muitos artistas, em especial Caio Fernando Abreu (coincidentemente eu escrevi uma resenha de Morangos Mofados dois dias atrás, no mesmo dia que Caio Fernando Abreu faria setenta anos de idade). 

    A homossexualidade não é o único tópico de extrema relevância que é tratado ao longo do filme. Por se passar durante o auge do período ditatorial, temas como o fascismo, a repressão e a falta de liberdade artística são duramente criticados pela obra. Uma das falas mais marcantes para mim foi proferida pelo personagem de Pedro Nercessian, "Encrenca", na qual ele diz algo como: "o povo é burro, o povo elegeu Hitler". Essa primeira frase gera uma grande discussão entre os integrantes do grupo sobre as qualidades e os defeito do povo, algo que acho ser muito pertinente no atual cenário em que estamos vivendo (cada vez mais sou adepto de que a história e as civilizações seguem um ciclo). Encrenca é o cara do grupo que só quer fumar um baseado e ficar bêbado; não se importa muito com as inconstâncias da vida fora do grupo de teatro, quer é ser feliz fazendo o que ama.

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    Léo e Bia são um casal, sendo Léo o diretor das peças e Bia uma das melhores atrizes. Bia sofre muita repressão pelo lado de sua mãe, que sempre a perscruta com um olhar crítico. A mãe da menina sempre indaga a filha se ela está transando com Léo, se está usando anticoncepcional, sobre suas notas na escola, etc. O caráter austero da mãe é tão bem trabalhado que durante umas das cenas em que a peça teatral está passando pelo censor da ditadura, a mesma atriz que interpreta a mãe de Bia toma o papel de censor da peça de teatro, em uma cena repleta de metáforas e aquele exagero magnífico que o teatro consegue nos passar. 

    Se eu tivesse que dar mais um argumento para convencer você a assistir ao filme, seria que os personagens são humanos ao extremo, carismáticos, brasileiros como nós, gente como a gente. O elenco realmente conseguiu transmitir toda uma gama de dramas muito particulares com uma maestria sublime. Você pode encontrar o filme no próprio canal do diretor no Youtube, clicando aqui. 




     

Um comentário:

  1. valeu por indicar. eu tinha esquecido o quanto Oswaldo Montenegro é incrível... :)

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