Verdades que meu subconsciente sempre soube, mas havia esquecido de me avisar.

           
    Eu fiquei observando a tênue linha marcada pelo tempo que percorria a bochecha do homem que sentava ao volante. Não o conhecia direito; formalmente nunca tínhamos sido apresentados, mas existem algumas coisas que eu consigo entender apenas ao encontro do olhar. No dele eu sentia algo distante, reservado, inteligente. Os olhos dos quais a cor não me recordo mostravam um pai que talvez fosse endurecido pelo seu trabalho; pagava muito bem, mas em minha opinião tirava alguma coisa em troca também. A barba crescia naquela linha, e depois dela apenas a pele com o início das marcas da idade.

   Sentado, com pessoas que no ano anterior não eram minhas amigas, eu permaneci quieto por um bom pedaço do trajeto. Era noite com marcas de vento frio, eu estava indo para uma festa no meio do nada, mas enquanto sentia o ar frio que entrava pela janela aberta do motorista eu só pensava em uma coisa: aquela era a noite perfeita pra se estar sentado em qualquer outro lugar, quieto, com ou sem companhia, conversando e pensando sobre como a vida é estranha. Logo no caminho fiquei arrependido de estar indo para aquele lugar no quinto dos infernos, e a aura do homem de descendência Polaca, aquele com a linha na bochecha que eu fiquei observando até ele esgueirar seu olhar na minha direção, só piorou a situação. Havíamos passado por uma ponte, a janela aberta produzia um barulho forte devido ao vento. Será que ele realmente estava bravo e por isso estava dirigindo daquele modo? Normalmente eu odeio estar em um carro em alta velocidade, mas de algum modo aquele homem que eu havia visto apenas em alguns relances me passou uma tranquilidade absurda. Sob meu olhar tudo era mais poético à noite, até a minha cidade que consegue ser chata pra caralho.

   Cerveja? Não estava no clima de beber. Amigos? Muita saudade, saudade que eu nem sabia que estava dentro de mim. Saudades de rir de qualquer merda, de dobrar a barriga como um idiota ao lembrar as coisas que já haviam acontecido com a gente; saudades de ir mijar no mato e voltar com as melhores histórias, mas também voltar com um sentimento de impotência com relação ao tempo. A vida passa e não adianta o que a gente faça, essa merda tá acabando. Pelo menos nós temos noção disso. “Acho que a gente tá ficando velho pra isso”, um amigo com o qual já chorei junto falou naquela noite estrelada com uma lata de cerveja já quente na mão. Realmente. “Como foi que a gente se tornou os mais velhos desse lugar?” – “Essa é uma boa pergunta mate, essa porra tá passando rápido”. Até o toque no ombro ou aquele abraço mais demorado de uma garota não eram mais significativos para mim; talvez eu tenha até sido frio demais com uma delas - talvez fosse o cheiro de vômito do lugar, ou do esterco das ovelhas. Mas, mesmo com a música horrível e com o cheiro de cigarro mentolado misturado com bile; ter estado lá no meio de tantas pessoas serviu para alguma coisa. Eu disse coisas que nunca teria dito se eu estivesse cercado pelo silêncio, verdades que meu subconsciente sempre soube, mas havia esquecido de me avisar.  

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