Divines (2016) - um tapa de luva na meritocracia e na vida baseada apenas nas escolhas.


   Divines (2016) é um filme que nos mostra uma Paris não tanto retratada na cultura geral; a parcela da cidade e da vida em sociedade que muitas entidades tentam esconder. O tema abordado não é novo, já vimos isso em La Haine (Mathieu Kassovitz), talvez um dos filmes que ficou mais popular por retratar a realidade nos Banlieues de Paris. Os Banlieues são distritos que se encontram ao redor do centro de Paris, mais conhecidos como guetos; muitos imigrantes acabam escolhendo morar nesses locais devido ao custo de vida e muitas vezes pela segregação da sociedade parisiense. Esses locais foram cenários de muitas revoltas (na década de oitenta e depois em 2005) contra a intervenção da polícia nessas comunidades, principalmente por parte de jovens (barravam a intervenção da polícia com pedras, queimavam carros,etc). Entender a situação nada favorável para o desenvolvimento saudável de uma criança e adolescente nesse ambiente é algo de extrema importância para entender a motivação das personagens ao decorrer da trama do longa. 

   Dounia e Maimouna são duas amigas com pais imigrantes, aparentemente muçulmanas, residentes de um gueto muito pobre, praticantes de pequenos furtos e com uma vontade incessante de ascensão social. No caso de Dounia, a protagonista do filme, a família instável é um grande fator para entendermos a sua situação atual; mesmo jovem, ela precisa cuidar da mãe bêbada, prover dinheiro, comida e água para casa. Entendemos o papel de Dounia na comunidade pobre em que mora com apenas algumas breves cenas no início do filme - ela mandando um menino parar de atormentar um cachorro, colocando a mão nos ombros de uma senhora limpando roupas, dando um pote de Nutella para uma criança e, ao final, preparando um banho para sua mãe em uma casa que não possui saneamento básico. Pelo pouco que aparece, entendemos que o pai de Dounia é drag queen, e ajuda a  fornecer dinheiro para a casa do mesmo modo que a filha. 

fonte: IndieWire

A família de Maimouna não teve tanto espaço no filme, conseguimos perceber apenas a grande motivação do pai com relação à religião, e a vontade de colocar a filha no caminho correto, mesmo com a realidade que os envolve. Mesmo quando as duas praticam pequenos furtos no supermercado, conseguimos entender a inocência no íntimo de cada uma, vemos a vontade de viver em um mundo melhor e de poderem apreciar as pequenas coisas da vida. Longe de toda essa realidade, Dounia e Maimouna encontram um pequeno refúgio ao ficarem suspensas em cima de um teatro usado para apresentações de dança; mas nunca, em hipótese alguma, podemos dizer que esse é um filme sobre a garota que é pobre, sofre em sua casa, mas depois consegue melhorar de vida com a dança. Não, esse filme é diferente. Ambas admiram a traficante da região com olhos marejados, e pensam em como seria a vida delas trabalhando para a mesma, conseguindo comprar os produtos que sempre sonharam. Um Iphone, um tênis da Reebok, comidas de primeira qualidade, etc. Motivadas por isso, ambas começam a vender drogas em pontos específicos para Rebecca. 

fonte: fimlaluation

   Acho que não preciso dizer que o filme é Francês. O elenco é sensacional, principalmente Oulaya Amamra (Dounia), atriz que teve maior participação no filme. Ela consegue criar uma personagem tão carismática, que sentimos vontade de consolá-la ao longo de toda a trama. Por favor, deem uma chance para Divines. Esse é um excelente tapa de luva para as pessoas que acreditam na suprema meritocracia, e que a vida de todos os indivíduos é baseada nas escolhas, sem seres moldadas pela sociedade que as cercam. Em suma, um ótimo filme. 

   

5 comentários:

  1. Cinema europeu sempre trazendo tópicos fortes e importantes pena que muitos deles não recebem todo o reconhecimento que deveriam

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    1. Verdade, agora se o cinema europeu já não é tão consumido, imagina o de outras nacionalidades. Triste realidade.

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    2. Cinema asiático também tem filmes ótimos como Train to Busan mas que não ganham muita visibilidade pq recebem versões americanas

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