Baguete - uma crônica.

 

   Meu pai tinha o hábito de acordar às quatro da manhã para fazer a primeira fornada de pães da sua padaria; ele era o tipo de homem que amava o que fazia com toda a sua vitalidade de descendência italiana. Eu costumava acordar bem cedo junto com ele; ainda não estava empregado, e minhas aulas na faculdade eram apenas no período da noite, então ajudava meu pai no caixa da padaria, cobrando dos clientes usuais os baguetes, bolos, pães com sementes, croissants, cafézinhos, biscoitos amanteigados, sonhos, pandoros ou simplesmente um pão na chapa. Meu pai era um homem que se orgulhava do seu trabalho, abria um sorriso todas às vezes que falava sobre a origem dos grãos do café que moía, ou da vez em que elegeram seu baguete o melhor da serra gaúcha (o que ele achou muito engraçado, afinal se orgulhava muito de dizer que seu avô tinha vindo da Itália). 
   Eu gostava de trabalhar lá, por motivos variados, mas o que mais me fascinava em tudo aquilo era o ambiente. Acho que muito mais do que pela comida, os clientes adoravam a padaria porque ela era aconchegante. Você entrava lá antes de ir pro trabalho e conseguia sentir uma leveza na atmosfera. Meu pai era calmo, gostava de saber o nome de quem estava no outro lado do balcão. A padaria ficava em uma esquina, nas duas laterais encontravam-se duas janelas enormes que permitiam os clientes visualizar as araucárias que preenchiam os morros cobertos de neblina pela manhã. O chão era coberto por madeira de demolição, as mesas, que eram postas estrategicamente perto das janelas, tinham apenas um pé de madeira e eram feitas de granito escuro. Todo mundo gostava de fotografar a padaria do meu pai, mas ele não entendia o porquê das pessoas ficarem olhando mais para as mesas do que para a vista que as janelas propiciavam. Ele sempre quis implementar uma política contra o uso de celular e rede de internet, mas depois de um tempo tudo isso ficou inevitável. 
   A maioria dos clientes apenas comprava algo e logo saía para sua jornada do dia, mas alguns ficavam lá, sentados às mesas. Os que ficavam acabavam se tornando a minha distração; enquanto sentado atrás do balcão, com os cotovelos apoiados na caixa registadora e com o livro que estava lendo no momento aberto no meu colo, escutava e analisava todos os que ficavam na padaria. Mas eu não fazia isso com o objetivo de saber sobre a vida dos outros, ou simplesmente por ser o stalker psicopata filho do dono da padaria; eu fazia aquilo porque gostava de perceber a vida ao meu redor. Gostava de pensar que todas as aquelas pessoas, de certa forma, preenchiam o vazio que acometeu aquela padaria depois que meu pai não pôde mais fazer sua fornada das quatro da manhã. 

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