A desumanização, de Valter Hugo Mãe.


    O primeiro livro que eu li de Valter Hugo Mãe teve o mesmo efeito de quando eu fechei a contracapa do primeiro livro do Knausgård; eu fiquei meio catatônico, não feliz, mas sim ansioso por ter conhecido mais um autor incrível, do qual eu já queria conhecer todas as obras. Talvez o Karl Ove, mesmo sendo norueguês, e o Valter Hugo Mãe, português, tenham em suas obras mais pontos em comum do que eu primeiramente imaginei. A desumanização, talvez o livro menos conhecido do autor, usa os lúgubres e belos fiordes islandeses para contar a sua história; uma história que, ao seu modo e com sua linguagem, retrata a infância, a transição da inocência para a alma corrompida do adulto, e por mais inusitado que pareça, sobre o amor. 

    É difícil imaginar uma história que começa com a morte de uma criança ser algo que mostre um dos sentimentos mais antagônicos à ela. A narrativa em primeiro pessoa nos dá a visão de mundo de uma menina de doze anos que passa pelo trauma de perder sua irmã gêmea; apenas na metade do livro descobrimos o seu nome: Halla. Durante boa parte da narrativa, Halla é apenas descrita como a filha menos morta, e Sigridur, a filha que apenas conhecemos por relatos de personagens, é chamada de a filha mais morta. Talvez um dos pontos mais fortes dessa história seja a ambientação; muitos sentimentos são explicados pelos próprios personagens através de monumentais e solitárias paisagens. Também posso dizer que a ambientação foi um dos fortes motivos que me fez começar a ler esse livro; eu tenho grande curiosidade com esses países do norte da Europa. A mesma curiosidade que me fez amar ler sobre bebedeiras e amores em uma cidadezinha da Noruega, com os livros do Knausgård, me despertou o interesse na solidão da Islândia com o Valter Hugo Mãe. Eu ainda tenho o sonho de conhecer a Islândia, e quem sabe conseguir entender tudo o que aconteceu nesse livro de uma forma mais completa ainda. 


    Além de ter que viver com a morte da irmã, e com tudo que ela deixou para trás, Halla ainda precisa viver com uma mãe que não aceitou a Islândia ter tomado uma de suas filhas. A mãe, personagem que não recebe um nome em toda a história, chega a cortar a pele da filha durante o sono. Todos os atos da mulher me levaram a crer que a Sigridur era uma espécia de filha preferida, e que o fato de Halla ter sobrevivido era um "erro", um "engano". Quando digo que a Islândia tomou a vida de uma pessoa apenas estou parafraseando os discursos de muitos personagens ao longo da narrativa. A Islândia, principalmente a pequena vila nesse específico fiorde, toma o papel não apenas de local, mas sim de personagem. Alguns colocam a culpa das decisões que tomaram no local em que vivem; e constantemente vemos Halla remoer um sentimento de angústia com o local, gerindo uma vontade de fugir para qualquer lugar. É difícil dizer a época em que a história se passa, mas eu acredito que seja no mesmo período em que o livro foi escrito (2013). Eu considerei a falta de tecnologia e de elementos da modernidade como uma das condições de morar em um local tão isolado. O antigo sonho da Halla e da Sigridur de ir morar na América foi o que me deixou mais inclinado a acreditar que a narrativa está em um ponto temporal próximo do que vivemos. 

    Acho que não cabe a mim mais falar sobre o desenvolvimento da trama, porque quero muito que vocês se surpreendam e se sintam nocauteados por alguns acontecimentos. A escrita do Valter Hugo Mãe é foda, sem mais palavras; o cara é muito poético, parece que cada frase esconde um significado muito maior do que é possível trazer. Muitas vezes durante a leitura eu simplesmente parava e ficar admirando algo que ele escreveu, repetindo aquilo na minha cabeça até achar que havia compreendido tudo. Com certeza uma das melhores leituras que eu fiz, e que fez eu afirmar o meu fascínio pelos contemporâneos. Já querendo ler tudo dele, e quem sabe conhecê-lo em alguma feira aqui no Brasil. Knausgård e Valter Hugo Mãe fizeram do meu 2018 um ano mais cheio, cheio de poesia, vivência, amadurecimento, e sim, tristeza. 

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3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Realmente é incrível a sensação de finalmente entrar em contato com um autor dito aplaudido pelo consenso geral. Atualmente estou lendo Lolita , e sinto que de alguma forma, isso enriqueceu meu ano. Mesmo se tratando de um tema pesado, o autor nos seduz com as palavras. É impressionante...

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